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segunda-feira, setembro 30, 2013

Corpo Ah Não

O relógio toca meu corpo
Diz: ah não não não
Saio da cama meu corpo
Diz: ah não não não 
Abro a porta meu corpo
Diz: ah não não não 
Tchau para a esposa meu corpo
Diz: ah não não não 
Fecho o chuveiro meu corpo
Diz: ah não não não 
Vejo os e-mails meu corpo
Diz: ah não não não 
Saio do banheiro meu corpo
Diz: ah não não não
To sem dinheiro meu corpo
Diz: ah não não não 
Ainda é tão cedo meu corpo
Diz: ah não não não 
Não quero ir meu corpo
Diz: ah não não não 
Vejo o cachorro
Ta tudo bem
Vejo as gatas
Ta tudo bem
Molho as plantas
Ta tudo bem
Regro as palavras meu corpo
Diz: ah não não não 
Tem assembléia meu corpo
Diz: ah não não não 
Ta tudo errado meu corpo
Diz: ah não não não
Finjo esse Estado meu corpo
Diz: ah não não não 
E na política
Finge que ta tudo bem
E na família
Finge que ta tudo bem
E no trabalho
Finge que ta tudo bem
E a natureza
Finge que ta tudo
Meu corpo
Diz: ah não não não
Sem feriado
ah não não não
Tudo acabado
ah não não não
Avariado
Contaminado
Insaciado
Prejudicado
ah não não não. 


sábado, setembro 28, 2013

Passando pela linha do trem consigo ver
O Pinheiros e
O Tietê
Na mesma encruzilhada. 
Nessas de achar que a vida é só passagem
Muita gente passa, passa
Passa
E quando morre
Vira passado sem ter feito nada. 
Passando pela linha do trem consigo ver
O Pinheiros e
O Tietê
Na mesma encruzilhada. 
Nessas de achar que a vida é só passagem
Muita gente passa, passa
Passa
E quando morre
Vira passado sem ter feito nada. 

quinta-feira, setembro 12, 2013

C...r.......p..............


Certo dia um corpo se encontrava fora de si, numa esquina de uma grande cidade. O corpo estava fora do corpo. O corpo não se reconhecia, permanecia, alí decapitado de sentidos, despecaminado de moral, fraturado no mais desconexo sentido de si. Um corpo trocado, como se o membro fosse o sexo, o sexo o cérebro e o cérebro o estômago. Que ardia de fome. Mas a fome não era fome, talvez fosse saciedade. Dor por estar saciado. Talvez. Talvez exista essa dor. E naquele corpo a dor não era exatamente dor. A dor poderia parecer mais com uma latência, um tempo adormecido, uma sensação de paralisia ou de formigamento. Os sentidos não podiam ser mais os mesmos, não naquele corpo. O corpo não era mais o mesmo, nem era corpo. Ou era? Era de outro jeito. Como se o corpo tivesse parido a si mesmo em sua não-semelhança, quase como se tivesse medo de si próprio. Um corpo que quisesse fugir de si. Deve existir essa fobia de estar em você mesmo, deve existir. Aquele corpo queria ser diferente, não-natural, fora da ordem dos fatores, fora da ordem, fora da ordem social. Aquele corpo estava se experimentando… E não seria ele, o corpo, talvez a própria experiência de si? Como se partisse o corpo para uma aventura transcendental sem sair daquela esquina cotidiana. As esquinas proporcionam dessa experiência. Afinal, quantas não são as encruzilhadas encrustadas na carne? Certo dia um corpo se encontrava num lugar que nem reconhecia mais como esquina. Não reconhecia mais nada, nem o seu mais sincero nu. Evaporou no pó da cidade, foi inalado em alguma brasa de cigarro, escapamento de carro, pulmão de velho ou criança, não sei… esse corpo agora é ar, e só se movimenta em dias de ventania.

domingo, setembro 08, 2013

Ao Corpo que Vê

Fosso e céu são de mesma cisma. 
Vejo as águas aos meus pés, por exemplo,
É de uma imensidão escura. 
Olho acima 
E vejo a cor da noite
É brilho e negrume
O espaço é mar
E as estrelas, cardume

quinta-feira, setembro 05, 2013

Carta ao Corpo

Meu corpo é minha estética, minha ética, minha política, minha cultura, meu mito, meu rito, meu destino; minha práxis, meu caminho, minha tese, meu signo, minha carta, minha prece, minha tática, meu domínio; minha massa, minha Tebas, minha Atenas, minha Eurásia, latinoamerica, minha África, meu canion, meu fundo de oceano; meu corpo é tudo isso; meu corpo é isso e tudo é meu corpo; que é minha glândula, minha ânsia, meu gargarejo, meu gaguejo, minha saliva, meu desejo; meu corpo é Freud, é Foucault, Nietzsche, Deleuze, é Artaud; Galeano, todos os Campos, é Caetano, Zé e Djavan; meu corpo é Ân; meu corpo é trato, meu corpo é parto, é papo, reto, de sapo que o corpo é úmido, meio terrestre, meio aquático; meu corpo é curvo; meu corpo anfíbio; meu corpo é salamandra, não é malandro, mas é mistério, é solitário, meu corpo armário, meu corpo arma e meu corpo ama; meu corpo arde, meu corpo inflama; meu corpo é minha cidade, meu desespero, minha particularidade, minha física quântica, minha imensidão atlântica, meu infinito de elétrons; meu corpo é meu carma, minha carne, minha sarna, minha pobreza, meu vintém; meu corpo não tem; meu corpo é novembro; meu corpo é minha vontade de estar nu, utopia e heterotopia, meu corpo pia um poema de Manoel de Barros e uma música de João Bá; cá, meu corpo é tabu; lá, meu corpo é Pasargada, amigo da plebe, do rato, do gato, tartaruga, e da lebre; meu corpo indifere o louco do normal; meu corpo é minha sala e meu quintal, meu animal, meu social; mais animal; meu corpo é crocodilo, réptil, intuitivo; meu corpo não está fora, meu corpo não está dentro, meu corpo está entre e muito além do pensamento; meu corpo é minha fronteira, minha trincheira, minha guerrilha, minha penicilina; meu corpo é minha propaganda de margarina; meu corpo é minha música, meu teatro, minha escultura, meu livro sem capítulos, minha estátua, meus testículos; meu corpo é todo vício; meu corpo, essa costura, que não encontra mais postura, é minha fé fêmea, laqueadura, desestrutura, não sabe mais ficar em pé; meu corpo é minha ré, minha cinza e meu resquício, meu medo e meu omisso, minha torre e o precipício, minha prole, meu hospício, meu monólogo e meu comíssio; meu corpo é um diabético se acabando em açúcar, múmia egípcia se acabando em atadura, um morto indigente se acabando em formol; meu corpo é sol, chuva, e telhado, corpo de vidro, corpo de gato; corpo bandido; meu corpo não é fim, nem é meio, é fio e centeio, é contínuo no tempo; nasce gente e nunca morre; meu corpo corre.