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quinta-feira, dezembro 16, 2004

o corpo de dolores

As dores do corpo são as doídas dolores da lembrança. O corpo de dolores é um corpo memória. Não, não pensem assim, não. Porque dor não pode ser gostosa? Sabe aquela dorzinha de gente enamorada. Ou dor de estréia... ou dor pra não trabalhar no dia seguinte. Ou dor de lembrança... dor gostosa. O corpo de dolores também é um corpo de atores e músicos. Corpo de artista, corpo de gente sabida. Corpo memória, corpo família, corpo aconchego... ai que aconchego que me dá quando lembro da gente amada. Mas também dá uma dor amargurada da lonjura da namorada... culpa da mãe... e do pai... e da vida que dá dessas dores pra tudo ficar mais interessante, na bem da verdade. Se tudo desse certo, se tudo fosse menos doído, menos vestido, menos falado, tudo também seria menos gostado, menos gozado, menos ouvido... respectivamente. O corpo de dolores é um corpo de desejo romântico, de fé catolica manipulada por uns batuques de Exu! Ninguém segura os doídos, porque ninguém segura a Dolores Memória da Vida Silva e Silva.


Ps: texto inspirado pela re-visita ao avesso do grupo teatral Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes com o espetáculo Casa de Dolores.


Abraços. Leandro.

terça-feira, dezembro 14, 2004

o tempo voa mais que carcará com fome. o corpo do tempo



O tempo que atravessa os ossos dos homens. Gostaria de pensar a respeito. Algo que me atravessa os ossos é também algo que rompe com a fisicalidade do meu próprio corpo. Algo que tenha um corpo não corpo, ou melhor dizendo um corpo não físico. Mas o tempo é físico. Talvez o seu "não físico" seja melhor encaixado como um "diferente físico" um físico não material como os ossos, mas capaz de perpassá-los tão presentemente a ponto dos ossos sentí-los, com direito a arrepio daquele friozinho que dá quando sabemos que o tempo passou. E o corpo do tempo passa pelos nossos ossos rígidos com mais facilidade que o carcará em sua caçada. O tempo voa mais que carcará com fome. Este meu pensamento veio a toa num momento em lembrava de um texto, escrito pra Folha de São Paulo, de Fernando Bonassi. O texto não tem mais que oito linhas e diz o seguinte, em sua íntegra:


"21
O QUE EU PRECISO

Talvez vá buscar mais gelo pra essa bebida. Talvez encontre uma música sem letra no rádio. Talvez compre um Opala preto. Amanhã. Sim. Ou, quem sabe, uma Harley de garfo longo. Um super computador de meio quilo não seria mal. E aquele Zippo "série especial" pra deixar de herança... Talvez peça de volta a coleção do Batman. Talvez importe um canivete definitivo de Zurich; com facas, serras e coçadores de saco. Talvez precise de um despertador. Ou de um Lexotan. Ou apenas me largar numa superfície horizontal... deixar esses tempos atravessarem meus ossos."


Qual o corpo do tempo. Qual o corpo de Cronos? Qual a cronologia do corpo? Qual o corpo cronológico. Enquanto escrevia, o corpo do tempo atravessou os meus ossos e continuou a mover-se continuamente, como uma torneira aberta ao seu máximo por um TEMPO infinito. Há quantos anos os rios correm nascendo onde nascem e depois vão morrendo pelo mar? O infinito é o corpo do tempo. É um corpo de infinita juventude mas não de infinita mortalidade. O tempo também morre em algum mar, talvez um mar onde não haja mais ossos pra se atravessar. O tempo que percebemos só é tempo porque tem um corpo humano. Voa mais que carcará com fome porque estamos esfomiados por fazer do tempo algo a se vencer. Mas olhe pra dentro e desfigure seu corpo do avesso para o desavesso. Você é memória, lembranças, vivências, emoções, imagens, passado, presente, futuro, você é corpo-tempo, que atravessa os seus ossos. Corpo malemolente à permanência no tempo. Quero permanecer no tempo. Quero ser memória. Quero que depois de mim venha o dilúvio. Acabam os tempos, porque acabam as lembranças presas na memória daquilo que é e não é vivo. Acabam as marcas que dizem que Cronos passou veloz por aqui. Ahhh... o que eu preciso? Acho que realmente é "deixar esses tempos atravessarem os meus ossos".



Quanto a isso escrevi um texto:



"Branco do branco"


Me disseram que um dia ainda ia ver o tempo passar tão rápido que não ia ver. Me disseram que um dia ainda ia prever o futuro de segundos pra acontecer. Um novo mundo logo de tão logo louco submundo mundo de tão mundocão de dia tarde demais tarde demais tarde demais. Tempo tempo tempo do tempo tempero amargo do tempo que passa além do tempo de tempero amargo. Um repente de repentino fim. Fim. Ah meu fim, ó meu fim. Frente trás lado vem dançando a valsa do amor. Um do tre. Hum. Menos que hum... milésimos de hum passando por aí. Me disseram pra um dia ainda eu cuidar de descuidar de cuidar da vida o tempo passa tarde demais tarde demais tarde demais. Um olhar não consegue mais provar qualé nuance, qualé a sentença. As cores passam rápido e tudo vira branco. Qual é a nuance? Qual é a sentença? Tudo fica branco, tudo fica sem. Tudo está mais morto. Me disseram que um dia ainda ia prever o futuro de segundos pra acontecer um dia aconteceu de tudo ficar brando, de tudo ficar branco, de tudo tudo sem nada só tudo ficar só branco do branco.
Leandro Hoehne



Abraços. Leandro.