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quinta-feira, abril 27, 2006

Dividia o pão quando espreitei de relance o que acontecia a minha esquerda. Sentados a mesa estávamos - eu e meus irmãos. Papai via tudo meio de cima, um olhar que talvez não fosse assim tão inocente, ele sabia. Minha mãe já compadecida esperava o acontecido e o acontecido era de que não se podia fazer mais nada. Mas fazia: continuava.

quarta-feira, abril 26, 2006

Eu, meu caramujo, minha casa

Uma dramaturgia das pequeninisses. Fragmentos de pessoas que se traduzem em falas, que são ações, que são falas que são ações ques ão falasqu es ãoa çõesques ãofa lasquesão. Ações... substantivo apluralado por pensamentos. E o meu corpo que é tudo isso. Minha casa, do dia inteiro, que dorme a noite e se autoreforma pro cotidiano, em ambulância, itinerante, nômade, locomotiva primária, seja de pé ou de quatro, pro fronte ou pra retaguarda, pra calma contemplativa de paisagens ou pro desespero. Espero... espero... espero... sou casa e caramujo... espero... espero... espero. Sou o teto e o quintal... espero... espero... espero... Sou o assoalho e o porão, muitas vezes sou só porão... só porão... só porão... e espero... espero... espero. Sou o meu sobrado aberto a sete chaves, sem muro e sem portas, pra vida e pro tempo, pra sorte e pra sociedade, pro mundo e pra deus! Pena não estar para estadia. Sou minha casa e nela todos cabem, mas morar, não por minha vontade mas por natureza, niguém mais fica que não seja eu. Mas dessa idéia não desgosto. Aproveito... como eu todo Outro tem sua casa e dela seus aspectos. Morar junto é juntá-las além do abrigo de matéria teto, matéria chão. Esse corpo, que é E=mc ao quadrado, se junta no cinetismo, no moviemento das coisas, e dois sobrados viram um casarão, na iminente presença do sexo. E dali a construção...

Um corpo é uma casa. O que tem na sua? Se contar conto o que tem na minha... aliás, talvez seja isso que esteja fazendo desde que comecei essas minhas... não sei.

sábado, abril 08, 2006

o Corpo que teme

De tudo, te peço pra não ser rasa. Não fuja desta dor que o fundo reserva. O submundo te aguarda às pressas nas presas e nas garras. Amarra teu âmago e levanta teu véu. Mostre a cara pra quem deseja ver nela a face que não interrompe o processo do medo.

Que medo tenho eu senão o medo do próprio medo. Ele me trava, me parte ao meio e joga a vontade de cada metade pra lados opostos com polos iguais. Ficam as duas em positivo, se repelem e não se juntam nunca mais. Esse trauma do trauma é o fundo que tenho medo. O submundo me aguarda com as vestes de sombra e da escuridão já basta a falta de claridade. E da razão já basta querer só realidade. Meus sonhos são as brisas que levantam o tule do véu e me ventilam a cara interrompida, paralisada, pelo penoso processo do medo.

E a vida de Davi segue ávida... não vê? Salomão pode ser Salomé e aquilo que aprendemos já foi derrubado por uma teoria qualquer. Édipo cego pelos olhos da humanidade cega já nos milênios gregos de atrás. E nas entrelinhas da história o medo é segundo lugar, enquanto o heroísmo segue na ponta de virtude primária. A estória bem contada vale mais do que a foto estampada. Isso porque as palavras cobrem aquilo que mancha, que fede e que desagrada. Levante esse rosto e vire essa folha de paisagens. Esteja a frente daquilo que é visceral.

Mas o medo é víscera. É carne trêmula, é adrenalina. É corpo em hormônio. É suvaco fedido do nervoso, do iminente perigo. O medo é gambá e é humano! É se cagar, se mijar, sangrar e chorar esse sangue por dentro. É pregar na cruz o corpo pela maldade e pela redênção. Sinto medo porque existo em ser-humano. Sinto medo porque os sonhos são incertos e as virtudes desnecessárias. Não dissipo energia por esconder a face do medo. Reservo um pouco dela pra poder sorrir depois. Proponho um breve pausa.



Que silêncio.

É do silêncio que tenho medo, nele existe...

Exite o que?

O não dito... só pensado. Me deixe assim agora, sem mais saber

Quer o silêncio?

Quero o gosto desse temer.

quinta-feira, abril 06, 2006

Quatro Paredes

As ruínas que guardam pessoas também desguardam sentimentos. Arrastam pra fora os ares e deixam por dentro o pó que salta dos cantos todo aos montes. E os monstros imaginados do lugar desabitado nada mais é do que os próprios monstros habitados por dentro de nós mesmos. Nos deixam com medo das paredes, das escadas, dos elevadores. E essa sensação de abandono que preenche o vazio com vazio, pó e nada de colorido. Esse gosto por desespero. Nada. Esse niilismo perverso necessário ao desenhar das primeiras linhas no espaço. Esse niilismo perverso desnecessário ao desdenhar o que acontece de fato.

As caminhadas vinham de cima. Dormiamos em silêncio de medo e de frio. Ninguém sabia o que era o que vinha. E todos fingiam dormir, com os olhos cerrados esperando o inesperado. A presença era nítida, algo existia ali dentro. Preenchia aquele espaço com uma energia estranha. Podia ver aquilo examinando tudo, se aproximando. Podia ver de olhos fechados a clareza daquela coisa que de coisa não passava, assim mesmo, ontológica em si e, por isso, tão assustadora. E do mesmo jeito que veio foi embora. E o dia amanheceu. E os trabalhadores operariavam. E os cachorros vadiavam. E o sol era exatamente o mesmo. As coisas permaneciam aos seus lugares. E os medos sumiam com a luz do dia. E o dia começava ao seu lugar. E aquela sensação permanecia dentro da gente. A caminhada, o frio, as coisas sendo examinadas por um corpo estranho. Os olhos que não abriram não podem nada confirmar. O que não é visto não é acreditado. Podia ser Nietzsche, Godot, o cachorro, ou o caseiro. Só não era Deus. Deus já me disse adeus pra mais de cem vezes. Talvez fosse a centésima primeira. Não sei, esse Deus se for ele o que habita dentro da gente, de dar jeito de estar na ruína do peito. Então pode ser esse deuzinho que me falar xau mais uma vez veio, me deixando as vendas das vistas pra não vista ser a experiência do medo entre as quatro paredes.