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sexta-feira, dezembro 12, 2008

Aplico-me

Não sei falar de nada além de mim mesmo
e isso me encomoda
As referências são somente as minhas próprias. Os autores que cito não passam dos desdobramentos de minha própria consciência.
Mas não acho que isso é a ostentação do ego. Talvez apenas antiacadêmico, pseudo-ciêntifico, se constatar-se impossível a ciência de si mesmo, uma vez que a percepção é sempre subjetiva. Mas a contradição é que estou ciente de mim se levarmos em conta o aspecto mais viceral da percepção, porque, afinal de contas, o que é a realidade senão um ponto de vista? Meu mestrado talvez fosse somente a declaração de minha experiência e os pressupostos do que julgaria ser a razão da minha existência. Mesmo que, nestes meus 24 anos, faça juízo de que de muito novo acumulo coisas que nem gostaria que fossem verdade.
Portanto, aplico-me como método.
O fato é que isso não se aceita
e isso me encomoda
O que se aceita é somente aquele gesto do mundo, sem me considerar um crivo do mundo. Já escrevi alguma vez que o tempo atravessa meus ossos nesse percurso, algo fica.
O fato é que me entrego a alguma razão intuitiva de ser o todo e não as partes
e nessa me escapam nomes, momentos, particularidades
As notas de rodapé viram pés e tudo acaba sendo a base de mim mesmo, consciente de que sou, também, o (in)consciente coletivo que me lança à maré.
Não sei falar
e isso me encomoda, porque dizer é fazer ciência e fazer-se ciente é postar-se reconhecido
O fato é que na ação das horas é que me resolvo
e dos meus gestos dou conta e só...
Afinal, não gesticulo pelos outros.

Deixe-me ir

Deixe-me ir no baixo, lento, com algumas distorções. Sem muita força.
Encher as costelas antes de pressionar os dedos, num mole caminhar por teclas, sem tônus, atonal. Meu corpo acompanha esse estado que vem do meu corpo feito som muscular.
Apita agora um ré oitavado, em intervalos de emergência chamando atenção. Um ré de timbre mestre, que vem trazendo tônus aos poucos, me enchendo de sol. Mas ainda é nublado o céu que me cobre. A escala é menor e me tranca num espaço mínimo de movimento.
Um botão! E um forte som baixo sai do meu lado esquerdo. O tônus me toma e é impossível ficar sentado, simplesmente ouvindo. Os dedos pressionam mais forte e tudo vai clareando. Deixe-me ir numa melodia clara, limpa, parece que tudo se resolve. E mais botões entram e explodem em sons que diminuem seus baixo de meio em meio tom, até retornar num Ré dominante e repousar em meus ouvidos, macio, sem distorção.
Mas e essa necessidade que tenho de me torcer o tempo todo? Todo! Traz em súbito meu dedo mindinho buscando alguma voz que me enlouqueça... só pra que eu possa repousar de novo, ovo macio, ouço um Ré belo de Cartola. Mesmo assim não deixa de ser triste a melodia, não deixa de ser triste meu caminho, não deixa de ser triste a minha trajetória.
E essa tristeza que aumenta intercalando massas sonoras com delírios de solidão, num solo de dedos que correm não mais moles, mas loucos, pressionando, numa lógica que só a beleza da loucura é capaz de proporcionar, até encontrar mais baixos e tudo romper a vastidão sonora de um abismo.
Deixe-me ir, preciso andar nessas teclas, encontrar uma saída pra que as coisas não acabem assim tão esvanecidas numa melodia triste de pé no chão e cartola. E é aí, quando, por fim, meu mindinho reverbera no dedo mediano e do ré menor eu salto pra um amor ensolarado.
É preciso renovar!
E esse acorde que me toma, faz dançar meus dedos de ambas as mãos, trazendo uma melodia que me enche as faces, me torna alegre, sintetiza o tempo, muda a estação! Minhas costelas não mais enchem lentas nem trazem o vigor do alerta, simplesmente pulsam, enchem e esvaziam numa alegria de baião.
Agora é dança, é festa, o mundo mudou, não é mesmo? Está tudo melhorado! Está tudo, assim, renovado! Sorrir!
Mas não sei porque vai me dando um frenesi nervoso. Um teleco-teco fora de compasso. Um encher e esvaziar de costelas que fica curto e não descansa nunca, e não pára nunca, e não repousa nunca! Ai que desespero desses acordes alegres que não me deixam respirar! Sorrir! Sorrir! Preciso sorrir! Sorrir pra não chorar...
Que medo do silêncio! Silêncio. Deixe-me ir baixo, lento. Mas dessa vez é rápido. E não quero mais sons que me encham, algum. Deixo o fole das minhas costelas simplesmente esvaziar, pra se encher num respiro profundo e, por vez, por fim, até, acabar.