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sexta-feira, agosto 18, 2006

Atrás

Dizem que atrás da porta dos sonhos existe aquele serzinho de quem a gente sempre leva um susto. Quando tudo acorda no clarão do meio-dia e já passou almoço, hora e sobra a apatia. Dá aquela preguiça de tarde vazia, com vento vazio, luz do sol vazia, sorrisos vazios, horas vazias, horas e mais horas, sobras de sustos, meias-delongas e delongas inteiras vazias, televisão sem energia e livro sem palavreado algum na escrita. Fica tudo assim à cegueira de não querer enxergar nem preto nem branco, só de ver tudo transparente, através dos outros e da ida: e da volta vida. Nesses dias de sonho, sonhados em plena luz do dia, com cachorros e crianças na rua, pipa e correria no céu, aos poucos um sustinho sempre revela aquilo que sem sempre a gente quer ter - porque fica assim sem chão - o céu é de lilás, alilás, a rua só tem curva e o prédio te dá uma piscadela: e não é reto, é em rodela. Um homem de cuecas que passa voando e outro de gravata macaqueando pelos viadutos de cipó raiz e galhos. Passam os carros sem freio e sem matéria, não batem nunca, seguem toda vida lânguidos em ares e em mares de esgoto limpo e terra fria no lugar do asfalto quente. O sol toca macio com pontinhos de fervura pra cosquinha na gente dar. A chuva despeja mel e a abelha te convida para um chá. Dinheiro vem a granel, mas pra quê dinheiro se a troca se dá no buraco mais em baixo, onde eu canto uma canção e recebo um belo sapato? As roupas são de tecido fino e fresco, só para manter a higiene, e os pés... é os pés preferem estar descalços: "moço, poço trocar o sapato por um buquê de flores pra minha linda morena?" Existem trapézios de vôos em toda praça; e o circo do sol se apresenta de graça! Que maravilha de orquestração de passarinhos e risadas, e vozes, e poesias faladas, além das cantadas: alaúdes, tambores de pele de carneiro e flautas de bambus e madeiras esculpidas com detalhamento, todos acompanham o casamento. Fúnebre irônico e colorido, o palhaço faz o enterro final, o da própria morte, porque agora todos somos senhores de vida etéria... e sorrisos de olhos cansados, sonosos, soneiros, bocejeiros, uaaah...! Um espreguiçamento sem vez! Ufh! Mas o sustinho vem travêis: aquela porta não tinha visto mais, será que é de fazenda, de hospital ou de casa de oferenda? É tudo um grande transe ou levei pancada na cabeça? Reconheço e me reconheço. É local conhecido, de noites e de dias. É só manhã e da porta, saída do quarto, começa o corredor, que dá no banheiro, que dá na privada, aí dou aquela cagada e vou enfrentar a greve do metrô.