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quinta-feira, abril 06, 2006

Quatro Paredes

As ruínas que guardam pessoas também desguardam sentimentos. Arrastam pra fora os ares e deixam por dentro o pó que salta dos cantos todo aos montes. E os monstros imaginados do lugar desabitado nada mais é do que os próprios monstros habitados por dentro de nós mesmos. Nos deixam com medo das paredes, das escadas, dos elevadores. E essa sensação de abandono que preenche o vazio com vazio, pó e nada de colorido. Esse gosto por desespero. Nada. Esse niilismo perverso necessário ao desenhar das primeiras linhas no espaço. Esse niilismo perverso desnecessário ao desdenhar o que acontece de fato.

As caminhadas vinham de cima. Dormiamos em silêncio de medo e de frio. Ninguém sabia o que era o que vinha. E todos fingiam dormir, com os olhos cerrados esperando o inesperado. A presença era nítida, algo existia ali dentro. Preenchia aquele espaço com uma energia estranha. Podia ver aquilo examinando tudo, se aproximando. Podia ver de olhos fechados a clareza daquela coisa que de coisa não passava, assim mesmo, ontológica em si e, por isso, tão assustadora. E do mesmo jeito que veio foi embora. E o dia amanheceu. E os trabalhadores operariavam. E os cachorros vadiavam. E o sol era exatamente o mesmo. As coisas permaneciam aos seus lugares. E os medos sumiam com a luz do dia. E o dia começava ao seu lugar. E aquela sensação permanecia dentro da gente. A caminhada, o frio, as coisas sendo examinadas por um corpo estranho. Os olhos que não abriram não podem nada confirmar. O que não é visto não é acreditado. Podia ser Nietzsche, Godot, o cachorro, ou o caseiro. Só não era Deus. Deus já me disse adeus pra mais de cem vezes. Talvez fosse a centésima primeira. Não sei, esse Deus se for ele o que habita dentro da gente, de dar jeito de estar na ruína do peito. Então pode ser esse deuzinho que me falar xau mais uma vez veio, me deixando as vendas das vistas pra não vista ser a experiência do medo entre as quatro paredes.

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